terça-feira, 18 de maio de 2010

O Convite de Uma Fada

Prólogo

O vestido, branco como a neve, esvoaçava devido ao vento, como se protestasse estar preso àquele corpo apenas pelas duas tiras nos ombros. Surpreendentemente, a mulher que o usava conseguia mantê-lo no lugar, domando-o de forma habilidosa.

Seu rosto nada mais era do que sombras, escondendo suas feições. Percebia-se que olhava ao redor constantemente, como se temesse ser perseguida. Quando passou por sob um ponto de luz, via-se sua verdadeira beleza: não apenas seu corpo – alto, esguio e esbelto – mas seu rosto era bonito, e de seus olhos irradiava toda a essência de sua alma. Um corpo digno de uma escultura.

Os olhos, verdes, profundos e brilhantes; deles saía alguma coisa indescritível, que colocaria a prova até mesmo o mais valente guerreiro da época, ofuscado por breves momentos quando seus cabelos, empurrados pelo vento, entravam na frente. Sua boca era pequena, doce e em formato de coração. Todos que a olhavam eram convidados a prová-la – saborear cada canto de sua aparente maciez e doçura através de um beijo – o que apenas faria com que quem o fizesse estivesse perdido em seus caminhos insondáveis quando terminasse, querendo mais, não resistindo à uma segunda prova.

Quando se olhava um pouco acima, via-se o nariz, levemente arrebitado, fino e de forma perfeita; o nariz de uma princesa. Sua beleza era apenas incrementada por seus negros cabelos ondulados, na altura dos joelhos que, ao colidir com o vento em uma briga incessante, misturava-se com o branco puro do vestido de uma forma graciosa, criando uma harmonia rara entre os dois – um turbilhão de trevas e luz que entravam em conflito.

De longe, pareceria uma garota – ou princesa – humana, comum. Entretanto, observando-se mais atentamente, via-se em suas costas o leve brilho prateado de asas e, em sua cabeça, as orelhas, pontudas como as de um elfo, que nenhum humano teria.

Era, portanto, uma fada.

Em seus braços, trazia uma pequena trouxa de pano, à qual se agarrava como se sua vida dependesse disso. Seus olhos brilhavam em determinação. Percebia-se, em sua fuga apressada, que suas asas falhavam a todo o momento, o que deixava claro que a guerra travada no reino das fadas há vários anos, a alcançara, finalmente.

Quando chegou o mais longe que conseguia das fronteiras, parou. A expressão feroz em seu rosto fora substituída pela de fatiga e desespero. Ajoelhada, abraçada à pequena trouxa, começou a recitar um encanto de forma fria e sem emoção. Antes, porém, que conseguisse sequer terminar a primeira linha do feitiço, algo se mexeu dentro dos arbustos atrás de onde estava.

É claro que não poderia ser um animal: depois das fronteiras, não havia nada nos campos por quilômetros. Todo o campo em que se encontrava era deserto, por fora os arbustos atrás dela, portanto, quando ouviu o barulho, rápida como um raio de luz, a jovem tirou sua faca de caça de dentro das botas de couro – não tendo tempo de alcançar a espada na bainha em sua cintura – e prendeu a criatura que se encontrava agachada atrás da folhagem, sob seus joelhos, contra o chão, arfando e encarando-a, com a faca na garganta.

Surpresa, largou a faca quando se deu conta de que era Raymond, rei das terras vizinhas às suas, que também trazia um fardo em suas mãos e sorria de uma forma maliciosa. Suas presas cintilaram com a visão da faca – de cabo dourado e lamina de prata, toda adornada com gravuras em alto relevo – a qual reconhecera, por ser um presente seu.

Com um suspiro de alívio, a fada tentou retirar seus joelhos de cima dele e levantar, mas estes perderam a força no meio do caminho e ela teria caído, não fosse a rapidez vampírica de Raymond, que a segurou. Suspirando de alegria, a fada jogou-se em seus braços e ficou soluçando durante um tempo.

- Raymond, imaginei que a sanguessuga da sua esposa, aquela nojenta, os havia matado! – Sua voz era doce, musical. Quando falava, era como se sinos tocassem por todos os lugares por onde sua voz passasse. O encanto, porém, era quebrado pelos soluços contínuos que apareciam em sua voz.

Afagando seus cabelos e depositando sua trouxa ao lado da outra, Raymond, com seus dois metros de altura, bonito, de olhos azuis tão escuros quanto o mar, tentou tranqüilizá-la.

- Eu e meu filho estamos bem, não se preocupe, Lucy. – Sua voz era profunda e, influenciada com seu poder ou não, tranqüilizadora. – Era com vocês duas com que estava preocupado, o que, claro, ajudou com que ficasse mais fácil para Anabeth, mesmo sem conseguir ler minha mente, descobrisse a verdade. Mas não se preocupe! – Com a expressão no rosto de Lucy, qualquer um ficaria tão desesperado quanto ela, no momento em que a olhasse. – E agora, o que faremos com eles?

Voltando a soluçar, Lucy agarrou-se ainda mais a ele, murmurando de forma desesperada ‘não quero... não posso fazer isso...’ por diversas vezes.

Raymond compreendia os sentimentos de Lucy, e nunca vira rainha tão corajosa quanto ela quando, ao descobrir que Holmes, seu marido, e Anabeth, sua esposa, estavam juntos e tentando acabar com a luz do reino, transformando-o em trevas, ela lhe contou seu plano. Mas, se fosse para escapar de ambos, Lucy estava disposta a sacrificar qualquer coisa, inclusive sua própria felicidade.

Enfim ela parou de chorar. Lembrara dos protetores que os reinos de ambos enviaram para momentos como esse, em que fosse necessário proteger as crianças e selar seus poderes pelo tempo que fosse preciso.

Juntos, decidiu, abririam o portal. O vento rugiu com maior intensidade com quando o fizeram, como se quisesse selá-lo uma vez mais, por mais que isto lhe custasse. Do outro lado, Demetris e Marianne, as guardiãs da Luz, os esperavam, preocupados.

- Não se preocupe, Rainha Lucy. – Assegurou-lhe Demetris. – Sua filha estará em boas mãos.

- E o mesmo digo eu, Rei Raymond. Seu filho ficará bem. – Garantiu Marianne. Com uma reverência, ambos desapareceram.

Ao lacrarem o portal, a paz do campo em que se encontravam voltou a reinar, o vento soprando de forma normal, levando seus suspiros um pouco mais tranqüilos: pelo menos os dois estavam a salvo.

- Aquela profecia... Será que são os destinados a cumpri-la? – Um deles sussurrou, mas, anos depois, não lembrariam quem fora.

Esperaram por alguns momentos, abraçados, antes de correr para um lugar seguro quando, de forma súbita, uma rajada de vento, pior do que o vento originado pelo portal, começou a soprar. As asas de Lucy – consertadas magicamente por Raymond – batiam descontroladas, ameaçando tirá-la do chão, em fúria, reconhecendo a essência mágica daquele vento: a mesma que as machucara anteriormente.

- Então é ela, não é, Raymond? A sua amantezinha ridícula! Uma FADA, veja só! – A voz vinha do vento que os açoitava e, acima de suas cabeças, apareceu Anabeth.

Quando seus olhos encontraram os de Lucy, esta sentiu uma dor aguda em sua mente, o que significava que estava sendo analisada minuciosamente e não adiantaria resistir, a menos que aceitasse ficar louca pelo resto de sua vida.

Sentiu-se cair e Raymond a segurá-la. Estava tenso – não que fosse afetado: vampiros não podiam ler as mentes de outros vampiros, apenas insinuar a verdade daqueles ansiosos demais para guardá-la – mas já era tarde demais. A dor em seu cérebro sumiu ao mesmo tempo em que a voz rascante de Anabeth gritava, com horror:

- Vocês mandaram as crianças da profecia para a TERRA?

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